Uma caixa de cartão serve para muita coisa.
Tinha muitas caixas na minha casa, caixas de cartão na sua maioria.
Umas estavam espalhadas pelo chão, abertas, a transbordar de papéis, as que habitualmente utilizava para guardar as coisas do dia-a-dia; outras decidi arruma-las na estante, devidamente assinaladas a caneta preta e com letras maiúsculas, com o que têm no interior - e que fechei. Fechei-as para poder arrumar o quarto - afinal de contas um quarto desarrumado, é um quarto onde não dá para viver, e quando falo num quarto que não dá para viver, estou a falar de um quarto que não nos deixa chegar a casa de noite e atirar os sapatos para um canto; mudar a roupa e arremessa-la à velocidade da luz para o ponto mais extremo da divisão; nem meter aquela música a tocar e comer um iogurte ao fim da noite (e deixar o copo e a colher no chão), sem pensarmos na desarrumação, nas caixas que estão espalhadas pelo chão e nas coisas que estão lá dentro.
Um dia, há já algum tempo, cheguei a casa, e o meu quarto estava como um fim-de-semana de chuva no shopping, ou, ou... como uma fila para o drive in do MacDonalds às 3 da manhã!: a precisar de uma organização.
Tinha tempo, então, arrumei tudo, categorizei as caixas por largura, comprimento, depois por peso, e depois por conteúdo, assinalei-as todas: umas com cassetes de vídeo antigas, CASSETES MINI DV, escrevi a preto; outras com bilhetes de cinema e teatro, BILHETES E CONVITES DE ESPECTÁCULOS, em letras enormes; outras com facturas da água e da luz, FACTURAS 2009, uma com lápis de cor, LÁPIS E TINTAS, e por fim, outra caixa, cheia de pequenas coisas, à qual decidi não dar nome imediatamente, e deixa-la arrumada, mas sempre à mão, para a poder abrir sempre que me apetecesse.
Com a necessidade de arrumar outras coisas, e com o passar do tempo, o que aconteceu foi que essa caixa foi sendo empurrada pelas outras, para a parte detrás da estante.
Há bem pouco tempo, quis levar todas as caixas que tinha comigo para casa. E depois de toda a arrumação de livros, cadernos, canetas e outras caixas, encontrei uma, empoeirada, no fundo do móvel, ao escuro. Analisei-a e não tinha nada escrito, um erro de categorização, de certeza, foi o que pensei. Analisei-a primeiro e só depois é que a abri, sem saber bem que coisas tinha lá dentro. E ao abri-la, encontrei coisas que pensei já não existirem - que aparentemente teriam desaparecido da face da terra.
O que mais me impressionou encontrar nessa caixa, foi um papel que dizia: "Anos cheios de aprendizagem, de formação individual e de grupo. Grandes memórias que, ficaram igualmente marcadas com estes momentos, que permanecerão guardados no mais intimo dos recantos desta grande bagagem que transporto para onde quer que vá (tanto durante a vida, como depois dela). A bagagem do conhecimento, da experiência, do tempo, e das pessoas especiais que conheci, e que permanecerão a meu lado, traga o tempo ou a vida o que trouxer".
Nunca estive a falar de caixas.
Nem nunca estive a falar de meras coisas,
Estive a falar de memórias, e de gavetas. Que fechei, umas porque queria fechar (e não me arrependo disso), das que deixei abertas, e das que fechei porque dei um empurrão sem querer e sem saber porquê - mas que guardam o que honestamente existia em mim - e que das quais nunca, jamais, irei esvaziar o seu conteúdo.
3 comentários:
Já escrevi, já apaguei...
Voltei a escrever e a apagar...
Caixas e coisas, são algo que mexem connosco. São as "caixas" das "meras coisas" que nos marcam mais, que fechamos e abrimos mais vezes, ou que, no fundo, nunca chegamos a fechar.
Muito bem escrito e um bom regresso do Blog.
Cláudia Sequeira
"Um dia, há já algum tempo, cheguei a casa, e o meu quarto estava como um fim-de-semana de chuva no shopping, ou, ou... como uma fila para o drive in do MacDonalds às 3 da manhã!: a precisar de uma organização." Adoro esta frase! (Quando tenho a minha cabeça assim também é a ti que recorro para me ajudares a controlar a situação, em grande parte das vezes ;))
Acho interessante a ideia de guardar representações de momentos, fechados em caixas, para mais tarde relembrar, se bem que há caixas com "coisas" que simplesmente não valem a pena, é preciso espaço para as "coisas" novas, não digo deitar tudo fora mas a selectividade deve estar sempre na linha da frente da forma como organizamos a nossa vida.
Concordo plenamente com a Cláudia, muito bem escrito sem dúvida ;)!
Aii oh André, não são horas para me fazer chorar!
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