9.04.2011

AS CAIXAS DE CARTÃO


Uma caixa de cartão serve para muita coisa.

Tinha muitas caixas na minha casa, caixas de cartão na sua maioria.
Umas estavam espalhadas pelo chão, abertas, a transbordar de papéis, as que habitualmente utilizava para guardar as coisas do dia-a-dia; outras decidi arruma-las na estante, devidamente assinaladas a caneta preta e com letras maiúsculas, com o que têm no interior - e que fechei. Fechei-as para poder arrumar o quarto - afinal de contas um quarto desarrumado, é um quarto onde não dá para viver, e quando falo num quarto que não dá para viver, estou a falar de um quarto que não nos deixa chegar a casa de noite e atirar os sapatos para um canto; mudar a roupa e arremessa-la à velocidade da luz para o ponto mais extremo da divisão; nem meter aquela música a tocar e comer um iogurte ao fim da noite (e deixar o copo e a colher no chão), sem pensarmos na desarrumação, nas caixas que estão espalhadas pelo chão e nas coisas que estão lá dentro.

Um dia, há já algum tempo, cheguei a casa, e o meu quarto estava como um fim-de-semana de chuva no shopping, ou, ou... como uma fila para o drive in do MacDonalds às 3 da manhã!: a precisar de uma organização.
Tinha tempo, então, arrumei tudo, categorizei as caixas por largura, comprimento, depois por peso, e depois por conteúdo, assinalei-as todas: umas com cassetes de vídeo antigas, CASSETES MINI DV, escrevi a preto; outras com bilhetes de cinema e teatro, BILHETES E CONVITES DE ESPECTÁCULOS, em letras enormes; outras com facturas da água e da luz, FACTURAS 2009, uma com lápis de cor, LÁPIS E TINTAS, e por fim, outra caixa, cheia de pequenas coisas, à qual decidi não dar nome imediatamente, e deixa-la arrumada, mas sempre à mão, para a poder abrir sempre que me apetecesse.

Com a necessidade de arrumar outras coisas, e com o passar do tempo, o que aconteceu foi que essa caixa foi sendo empurrada pelas outras, para a parte detrás da estante.

Há bem pouco tempo, quis levar todas as caixas que tinha comigo para casa. E depois de toda a arrumação de livros, cadernos, canetas e outras caixas, encontrei uma, empoeirada, no fundo do móvel, ao escuro. Analisei-a e não tinha nada escrito, um erro de categorização, de certeza, foi o que pensei. Analisei-a primeiro e só depois é que a abri, sem saber bem que coisas tinha lá dentro. E ao abri-la, encontrei coisas que pensei já não existirem - que aparentemente teriam desaparecido da face da terra.
O que mais me impressionou encontrar nessa caixa, foi um papel que dizia: "Anos cheios de aprendizagem, de formação individual e de grupo. Grandes memórias que, ficaram igualmente marcadas com estes momentos, que permanecerão guardados no mais intimo dos recantos desta grande bagagem que transporto para onde quer que vá (tanto durante a vida, como depois dela). A bagagem do conhecimento, da experiência, do tempo, e das pessoas especiais que conheci, e que permanecerão a meu lado, traga o tempo ou a vida o que trouxer".

Nunca estive a falar de caixas.
Nem nunca estive a falar de meras coisas,
Estive a falar de memórias, e de gavetas. Que fechei, umas porque queria fechar (e não me arrependo disso), das que deixei abertas, e das que fechei porque dei um empurrão sem querer e sem saber porquê - mas que guardam o que honestamente existia em mim - e que das quais nunca, jamais, irei esvaziar o seu conteúdo.



3 comentários:

Cass disse...

Já escrevi, já apaguei...
Voltei a escrever e a apagar...
Caixas e coisas, são algo que mexem connosco. São as "caixas" das "meras coisas" que nos marcam mais, que fechamos e abrimos mais vezes, ou que, no fundo, nunca chegamos a fechar.
Muito bem escrito e um bom regresso do Blog.
Cláudia Sequeira

Catarina Sá Borges disse...

"Um dia, há já algum tempo, cheguei a casa, e o meu quarto estava como um fim-de-semana de chuva no shopping, ou, ou... como uma fila para o drive in do MacDonalds às 3 da manhã!: a precisar de uma organização." Adoro esta frase! (Quando tenho a minha cabeça assim também é a ti que recorro para me ajudares a controlar a situação, em grande parte das vezes ;))
Acho interessante a ideia de guardar representações de momentos, fechados em caixas, para mais tarde relembrar, se bem que há caixas com "coisas" que simplesmente não valem a pena, é preciso espaço para as "coisas" novas, não digo deitar tudo fora mas a selectividade deve estar sempre na linha da frente da forma como organizamos a nossa vida.
Concordo plenamente com a Cláudia, muito bem escrito sem dúvida ;)!

EpitaphA disse...

Aii oh André, não são horas para me fazer chorar!