É NOITE ESCURA (...)

(....) e dá-te um arrepio espinha a cima só de pensar no frio que se faz sentir lá fora. Apenas a lua te ilumina mas mesmo assim a vontade de ir á rua, pegar na bola e manda-la ao cesto, como quem quer acumular pontos de felicidade para o futuro, é maior. Tens o desejo de pegar naqueles "sapatos" de quatro rodas e fazeres-te á estrada, sempre em frente, a marcar um caminho desconhecido. Ainda tentas fazer umas manobras a meio do percurso, tal como te ensinaram naqueles tempos, mas tens consciência de que não tens experiência nenhuma, mas sabes, que embora jovem, também aprendes a fazer manobras para passar obstáculos na vida. Metes os phones nos ouvidos porque desta forma dispersas-te do mundo á qual não pertences. Se tivesses um rádio talvez metesses o som no máximo e punhas-te a dançar aquela música para te abstraires daqueles que acham que és só mais uma gaja com livros de bioquímica na mão. As pessoas (serão pessoas?) confundem-me. Parecem-me animais perdidos, atarefados, tirados dos seus refúgios e obrigados a correr, como presas a fugir do predador. Atentos e selvagens, mostram as guarras, querem provar que são os melhores, passam por cima de qualquer ser. Passam pela tal avenida, sem terem a noção com quem se cruzam. Vivem com a fome de ganância e de sinais verdes. É uma corrida na selva, em que afinal, quem pisa mais no acelerador, nem sempre é o que vence. Tentas fazer o pino na relva para te esqueceres que elas existem, naquele parque, que apesar de só o conheceres há pouco mais de dois meses, te faz sentir em casa. Mas já mal consegues. A espargata nem dá para tentar, essas calças justas e enfadonhas que tens de usar prendem-te os movimentos. Passas pela rua do consumismo, onde aquele carro do Fado insiste passar aquele gemido de uma guitarra dos dias que marcaram a alma e a vida da tua gente. E aí, desistes de realizar qualquer movimento e tombas derrotada no chão. Tu sabes o que és e sabes o que é realmente importante para ti. Tu sabes que nada do que viveste se repetirá. Tu sabes que não é fácil começar do novo. Pesam-te os olhos e a vontade de te desligares da rotina diária é imensa. O desejo de mudar o percurso das coisas e voltar ao que construíste, à tua realidade de uns meses atrás é muito. A vontade de sair da cama às sete da manhã é nula. Doi-te o corpo e queres levar a alma para longe. Bem longe. E levá-los todos contigo para um sítio merecido. Longe da civilização. No nosso sítio, onde tudo seria tão diferente destas buzinas e correrias loucas. Seria limpo. Seria verdadeiro. Seria paz. Seriam risos e Marilus. Seriam conversas sérias e importantes. (...)Começa a chover. Corro. Relembrando mais um momento. Mas por faltarem as pistas, perco-me e chego sempre em último lugar neste Peddy-Papper tramado que eu me fui meter. Chego ao quarto, o refúgio. Fecho as cortinas, desligo-me finalmente do que se passa lá fora, o sol já brilha, mais uma noite que passou. Agora está uma manhã quente, suave como o tom pérola dos meus lençóis. Ouve-se uma forte e comovente música vinda do quarto ao lado. O meu corpo, apesar de gelado e molhado, aquece as tais palavras. Tão banalizadas três andares abaixo do meu canto sagrado. Ninguém sabe o que querem dizer. Ninguém sabe o seu significado. Como vos trago comigo, em imagens, em alma, em cadernos, nós aqui, longe da sociedade maldosa, sentimo-las, deixamo-las entre parênteses no fim de um texto qualquer, sem nunca as pronunciar.

Nem sei o que dizer mais. Só que não consigo ser eu sem vos ter por perto. Que os dias não aliviam a dor. Que o tempo só serve para ir riscando os dias do calendário até vos encontrar. Amo-vos a todos.

(Saudade. Amizade.)